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Em tempos de férias: Doces Lembranças

Foto do escritor: Fernanda Trigo CostaFernanda Trigo Costa

Eu sempre brinquei muito sozinha. Ainda hoje ficar sozinha me faz muito bem. Mas eu também tive muitos amigos na infância, alguns imaginários, outros muitos reais, crianças das casas vizinhas, na rua onde morava minha avó Dora.


Pela manhã, à escola, mas as tardes eram vividas nesta rua, com esta avó querida e muitas crianças, de várias idades. Brincávamos de rouba bandeira, pega-pega, esconde-esconde e de descer de carrinho de rolimã até chegar na lombada do final da rua Santa Cruz. Chamávamos de rua de baixo, pois as crianças da parte de cima da rua eram de outro “time” na maioria das brincadeiras. Em dias mais calmos ou de chuva, eu ia na casa de uma das minhas amigas que tinha um fogãozinho de madeira onde a gente usava bolinhas verdes das árvores como comidinha: arroz, feijão, biscoitos e afins (sim, eu sempre gostei da cozinha!). Com o tempo as brincadeiras foram mudando e, numa delas, quem conseguisse adivinhar “Que mês?” ou "Que cor?" ganhava um beijinho na bochecha.


Do lado de fora da casa morava um cachorro muito grande que uivava horrores quando a gente saía. O uivo era tão alto e duradouro que do final da Santa Cruz de cima, perto do ponto de ônibus, ainda era possível ouvi-lo reclamando de ficar sozinho. Mas ele era obediente, dividia de forma educada o quintal com as rosas e outras plantas que rodeavam a oficina do meu avô: um lugar quase que secreto. Na oficina só podíamos entrar se ele autorizasse e eu sempre achava que as máquinas e ferramentas tinham rostos que me olhavam quando, eventualmente, eu entrava lá escondida. Será que contavam para ele? Acredito que não! O avô Rudi sempre trazia chocolate pra mim, mesmo quando chegava zangado.


A casa toda tinha cantinhos em que eu brincava. A escada de carpete era meu escorregador favorito e essa era uma brincadeira da qual eu gostava de estar sozinha, tendo todos os degraus só pra mim, sem ter que esperar ninguém descer na minha frente ou ser apressada por alguém atrás de mim.

O quarto da minha vó, na parte de cima da casa, do lado virado pra rua contava com a janela bem em frente a uma grande árvore. Eu passava bons bocados de tempo a olhar por essa janela e ver a chuva, os raios de sol entrando no quarto e iluminando a poeira, que por vezes subia, carregada pelo vento; os pardais andando nas telhas e entre os galhos da árvore, nos fios de eletricidade. Da cama, eu podia me ver no espelho da penteadeira de madeira e alcançar uma caixinha que ficava ao lado dos perfumes.


Todos os dias eu tirava dessa caixinha um papelzinho de cor

diferente e pedia para a minha avó ler pra mim.

E ela lia sempre que eu pedia.

Ela lia e nem sempre eu entendia.

Mas ela lia porque eu pedia.

Até que em um dia, sem saber se eu queria,

a leitura foi mesmo minha.

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