Esse é um texto de 2013.
Elis, minha primogênita, tinha pouco mais de um ano.
Lembrei desse texto no domingo passado, logo depois do último curso que ministrei, à distância, sobre massas sem glúten.
Depois de mais de 7 anos, muitas coisas mudaram.
A vida mudou, o ensino se transformou, Elis cresceu, Heitor surgiu, eu amadureci.
No final do curso, o depoimento de uma garota tocou meu coração profundamente.
Ela na cozinha dela, eu na minha cozinha.
A tarde de sábado tinha sido transformadora.
Para ela e para mim.
Porque continua sendo na cozinha onde tudo acontece!!
Tudo acontece na cozinha
Por Fernanda Trigo Costa
Ela, a formiga, sabe de tudo o que acontece na cozinha. E sabe também o lugar de cada coisa. Isso é muito importante, pois se uma migalhinha cai em uma fresta de armário ou entra num buraquinho do chão, ela pode encontrar. E vale a pena esperar!
Durante a semana é muito comum encontrar um arroz aqui ou acolá, um feijão embaixo do tapete ou um pedacinho de fruta grudado no assento da cadeira. É raro, mas nas sextas-feiras acontece de ela descobrir um tiquinho de chocolate no pé da geladeira.
Porém, aos finais de semana, tudo fica diferente... a mamãe desta casa adora fazer bolos aos sábados pela manhã. Hummm, que delícia: bolo de maçã, de aveia com chocolate, de milho. E é fácil saber quando está quase pronto, pois o cheirinho se espalha... E como são macios! No almoço, às vezes, o papai assume a cozinha e é só esperar ele começar a trabalhar para que a formiga faça a festa: ele deixa cair um pouquinho de tudo o que usa no chão, na pia ou na beirada do fogão.
Mas isso é só no sábado, porque o almoço de domingo é um ritual: a mamãe acorda cedo e logo aparecem as sacolas do mercado na cozinha. Frutas frescas, saladas ainda com gotinhas de água, legumes com cascas brilhantes e carnes bem vermelhinhas. Em meio a isso, a formiga não resiste:
“Não sou muito chegada a carnes, sabe, mas quando a mamãe faz aquela carne com cenoura, batatas e brócolis, fico esperando alguém esquecer um prato na pia, ainda com um restinho, para eu poder provar.
E quando a vovó e o vovô aparecem na tarde de domingo para tomar café? Aí é uma fartura! A vovó me parece meio exagerada, traz vários tipos de pães: salgado, doce, de queijo, e umas frutas para fazer um chá que deixa a casa toda perfumada. Sempre sobra um pedaço de cada coisa e, como durante e depois do café todos ficam conversando alegremente, eu costumo chamar minhas amigas para fazermos uma boquinha.
Gosto muito de ficar na cozinha, sempre sei quando chega uma visita porque um cafezinho inevitavelmente acaba acontecendo. E sei também de todas as novidades, pois na hora do jantar os assuntos são colocados em dia.
Há algum tempinho tenho notado mais uma pessoa preparando comidinhas na cozinha. Na verdade, ela ajuda a mamãe e é bem pequena. No começo ela engatinhava pelo chão e era mais fácil de eu chegar perto dela, até brincávamos. Agora ela já fica em pé, mas usa um banquinho pra ver o que a mamãe fica fazendo e fazer igual. Ela já sabe fazer café quando as duas chegam em casa ou quando o vovô faz uma visita inesperada. Ela come muitas coisas, começou comendo tudo amassadinho e tomando leite na mamadeira. Agora já come sozinha: arroz, feijão, carninha, salada e frutas, e toma leite no copo. Desde que ela apareceu, acontecem coisas diferentes na cozinha: a mamãe sorri mais, fala mais e às vezes fica brava porque não consegue fazer o que fazia antes.
Gosto mesmo de ficar na cozinha. Fico perto dos sentidos e dos sentimentos. A cozinha me aproxima das pessoas e faz as pessoas se aproximarem umas das outras e delas mesmas. Dia após dia, posso observar a vida ser vivida na cozinha.
Porque é aqui, na cozinha, onde tudo acontece.”
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