Por Fernanda Trigo Costa
Ao pensar em uma história que trouxesse a importância das cores para
a alimentação dos pequenos, esse texto acabou tornando-se um marco
de transformação, talvez mais para mim do que para as crianças.
Era uma vez onde foi onde não foi, uma lagartinha ainda não crescida, que morava em baixo de uma folha de girassol. Ela ainda estava aprendendo a se arrastar, só observando as lagartas mais velhas de sua família. Muito esperta que era, já tinha percebido que algumas lagartas entravam num sono profundo e depois acordavam em forma de borboleta.
Passava o dia pensando como é que uma lagarta peluda como ela poderia ter belas asas como aquelas. As lagartas de sua família se transformavam em borboletas marrons e as lagartas da família do girassol ao lado em borboletas beges. No entanto, o que ela queria mesmo era ser uma borboleta colorida, assim como aquelas que pousavam no girassol de tempos em tempos. Ah, ela sonhava com asas enormes, de múltiplas cores, sobrevoando e pousando nas flores, rodopiando pelo ar. Mas era um sonho impossível. Ela sabia que seria uma borboleta marrom, não tinha jeito.
Certa vez, numa de suas subidas ao topo do girassol, a lagartinha viu uma borboleta colorida. Simpática que era, a borboleta colorida a cumprimentou, e a lagartinha não perdeu a oportunidade: “Senhora borboleta, como é que suas asas têm tantas cores?” E a borboleta logo respondeu: “Eu pedi as cores à minha Bruxinha madrinha.” E foi-se embora.
Bruxinha madrinha? Mas como pode ser? – pensou a lagartinha. E essa ideia não saía de sua cabeça. Será que é só pedir e pronto? Como será essa bruxinha? As perguntas não paravam de pipocar e a lagartinha nem dormir conseguia.
Foi então, que teve uma ideia: “Assim que anoitecer, vou pensar bem forte no meu desejo e pedir a essa Bruxinha madrinha que me ajude!”. E foi assim que fez, naquela noite, bastou o sol se por, a lagartinha cruzou todas suas perninhas e disse:
“Minha querida Bruxinha madrinha, se eu merecer,
você poderia me ajudar a ter asas coloridas?”
E repetiu mais uma vez, e outra, e mais tantas outras. Mas a Bruxinha não apareceu.
Triste, a lagartinha foi dormir em sua folha. Aconchegou-se, com lágrimas nos olhos e, pela última vez, repetiu o pedido. Foi então que ouviu alguma coisa caindo perto do girassol.
- Olá! – disse um besouro-fêmea toda pretinha, mas com um com um colar e uma varinha bem brilhantes.
- Olá. – disse a lagartinha desconfiada. Quem é você?
- Ora, sua Bruxinha madrinha. Desculpe a demora, é que eu estava lustrando meu casco, olha só, não está lindo?
A lagartinha tímida disse: “Sim, está sim. Mas você é bruxa?
- Hum, sim e não. Na verdade, sim. É que às vezes me atrapalho em meus feitiços e, depois de tantas maluquices que já fiz, não me consideram uma fada e sim uma bruxinha. Mas é bruxinha do bem, pode confiar!
- Então você vai me ajudar a ter asas coloridas?
- Claro, não foi o que você pediu?
E assim, a Bruxinha madrinha movimentou sua varinha de um jeito que iluminou todo o girassol. A lagartinha não se continha de tanta felicidade. Num piscar de olhos o brilho se apagou e a Bruxinha disse:
- Pronto! Feito!
A lagartinha mais do que rapidamente olhou para si mesma pra conferir as asas. Tão logo foi sua surpresa que asas coloridas não estavam em seu corpo.
- Mas o que houve, Bruxinha madrinha? Não mereço as asas?
- Claro que sim! Tanto merece que te dei óculos.
- Óculos? Pra que óculos?
- Pra te ajudar a descobrir como ter asas coloridas. Eu sei que você saberá o que fazer. Parece uma de minhas maluquices, mas desta vez não é! Foi um prazer te conhecer lagartinha!
Desesperada, a lagartinha gritou e gritou para a bruxinha madrinha voltar, mas ela já tinha sumido. “Óculos?” – ela se perguntava – “Não acredito!!” – lamentou-se até pegar no sono.
No dia seguinte, ao acordar, a lagartinha levou um susto. Os óculos a deixaram com uma habilidade incrível para ver tudo ao seu redor. Foi então que percebeu que no bosque onde morava existiam plantas com folhas de várias cores. E que cada planta era habitada por lagartas diferentes.
Com o passar do tempo e conforme foi crescendo, a lagartinha percebeu que cada cor de borboleta comia uma cor de folha. As lagartas que comiam folhas das flores amarelas tornavam-se borboletas marrons, como as de sua família. As lagartas que comiam folhas das flores vermelhas tornavam-se borboletas acinzentadas, outras que comiam folhas das plantas que não tinha flores tornavam-se borboletas azuis.
“É claro!” – pensou ela – “Vou comer folhas de todas
as plantas para ser uma borboleta colorida!”
E a maratona começou. A lagartinha pensou que seria fácil, mas enfrentou muitos desafios:
primeiro, todos zombando dela e falando que não tinha cabimento aquela maluquice; segundo, a dificuldade em conseguir chegar se arrastando a todas as plantas; fora isso, a resistência das outras lagartas em não permitir que ela comesse folhas das plantas delas; e, acima de tudo, o cansaço diário de ter que se locomover tanto para garantir a variedade de folhas.
Até que o dia chegou. A lagartinha, que estava bem gordinha de tanto comer folhas coloridas, foi tomada por um cansaço tão grande, que foi aumentando, aumentando, até que a lagartinha entrou no casulo bem apertadinho e caiu num sono profundo. Lá dentro, ela ainda sonhava em ter belas asas coloridas e sair voando.
Os óculos haviam ficado pra fora do casulo, pois não cabiam. Afinal, não era muito comum uma lagarta usar óculos. Foi então que a Bruxinha madrinha, sobrevoando os girassóis, encontrou os óculos e lembrou-se da lagartinha. Por uma coincidência ou não, foi neste exato momento que o casulo da lagartinha começou a se romper. Orgulhosa, a Bruxinha madrinha esperou pelo ápice da transformação, quando a lagartinha se libertou do casulo.
Eram asas marrons, sim! Mas somente próximo ao corpo e nas bordas. Todo o centro das asas era uma mistura entre tons de verde, vermelho, amarelo e azul, combinando formas e transmitindo harmonia e beleza.
- Oh minha querida, em que bela borboleta você se transformou. Eu sabia que desta vez eu não iria errar! – disse emocionada a Bruxinha.
- Obrigada Bruxinha madrinha! E veja, minhas origens permaneceram em minhas asas, ficaram perfeitas combinando o marrom com as outras cores.
- Sim! É preciso tempo e coragem para que sejamos cada vez mais belos, sem perder a essência. Suas asas levam as marcas de sua vida.
- Jamais terei como agradecer Bruxinha madrinha. Estou muito feliz!
Então a lagartinha, agora bela borboleta, saiu rodopiando pelo ar.
E a Bruxinha madrinha satisfeita ficou:
- Lá vai ela voando... pois bem, já posso descansar.
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