Por Fernanda Trigo Costa
Ilustrações: Gustavo Bielo
Não me lembro de quando comecei a sentir o vento.
Sensações normalmente não são conscientes, independem de nossa vontade.
O vento nem sempre venta a favor, mas na vida desta bela menina poucas vezes ele soprou em seu rosto. Ela sempre foi uma menina determinada e o vento a empurrava, na direção de seus sonhos.
Hora era preciso fincar os pés no chão, para não ir embora com o vento. Hora era preciso correr, porque o vento enfraquecido ficava. Havia quem ajudasse a produzir vento quando correr ela não mais conseguia. E eram essas mesmas pessoas que contribuíam com seus sopros, quando o vento voltava a empurrá-la.
Durante sua caminhada, espantava-se com aqueles que sentados ficavam, a ver o vento soprar. Era comum que ela tentasse mudar a direção do vento para que as pessoas o sentissem como ela, mas às vezes não surtia efeito.
O vento, certa vez, trouxe um alguém que ao lado dela ficou. Durante um tempo, o vento parecia soprar a favor dos dois, mas foi se enfraquecendo, dando lugar a uma corrente de ar que o caminho deles mudou. O vento levou-os para lados opostos e tratou de empurrar a menina, novamente, para seu caminho original, a rota correta, de fato!
E então, sem muita demora, numa brisa branda e morna, a menina, agora mais madura, se deparou com outro alguém. Na mesma corrente estavam, com o vento totalmente a favor. A princípio a menina duvidou do vento, achando que seria apenas uma ventania passageira.
Não! Era um vento envolvente, fazia-a rodopiar,
esquecer do tempo, querer soprar e soprar sem parar.
Fizeram planos, traçaram rotas e resolveram construir um balão.
Encontraram um cesto do tamanho perfeito: caberia os dois, mas tinha espaço para mais. Era preciso planejar bem a quantidade de gomos que iriam compor o balão, não precisavam de muita coisa, apenas o suficiente para o vento poder continuar os empurrando.
Foi quando o vento resolveu desacelerar e soprar como nunca havia soprado antes. A menina recebeu uma rajada de vento pela primeira vez, direto no rosto.
A luz daquela que sentiu o seu primeiro sopro,
aquela de quem a menina sempre recebeu os melhores sopros,
estava enfraquecendo, pois o vento insistia na tentativa de leva-la aos céus.
Todos tentaram resistir, de mãos dadas, num círculo de força. Mas aos poucos, entenderam que não era questão de força e sim de serenidade, compaixão, desapego e confiança. O vento sabe o que faz. E quanto mais deixassem o vento ventar, mais forte seriam.
Então o vento soprou, soprou e levou a mãe da menina para de trás do arco íris, acima das nuvens, perto da luz. Tão rapidamente o vento a levou, já voltou a soprar pro lado do balão. Talvez seja possível controlar o vento ou continuar soprando de lá do céu, pois tudo aconteceu como a mãe havia dito que deveria ser.
O balão foi criando forma, com cores alegres, apesar do espaço vago no coração da menina. Numa tarde de primavera, pronto ficou!
E todos se reuniram para ver e festejar o resultado.
O vento trouxe uma chuvinha, mas depois soprou as nuvens pra longe, deixando a luz do sol iluminar a cerimônia. Sim! Claro que ela estava ali, ao lado do pai da menina. De alguma forma o vento foi direcionado para que sua presença fosse sentida, vivida, lembrada.
Por mais que o vento trouxesse acalanto, não dava conta de diminuir a saudade. Mas algo estava por vir. E veio em forma de sopro, no ouvido da menina, que teve como certo que estava na hora de preencher um espacinho no balão. O sopro deu origem a um pequeno redemoinho dentro da menina e ela se transformou e se iluminou, tornando-se capaz de soprar com uma destreza que nunca havia imaginado ter.
Num raio colorido, outra menina nasceu.
Por um instante o vento parou e as duas meninas se olharam,
se sorriram e já se amaram desde então,
numa imensidão que podia preencher os céus.
E o balão continuou a voar, com novas cores e em novos ares. Com o tempo, alguns ajustes foram necessários, principalmente no cesto que parecia precisar ser ampliado. Foi então que o vento trouxe um nobre senhor que ofereceu um novo cesto, um pouco antigo, mas muito iluminado e que era do tamanho ideal para acomodar todos.
Já fazia mesmo algum tempo que a menina e seu alguém sentiam estar prontos para encher mais o balão. Durante a reforma do cesto, um outro sopro no ouvido a menina sentiu. E a menininha disse: será meu irmão!
Assim foi: o vento soprou um lindo menino,
que veio como um tufão, forçando a menina a cuidar de si mesma
com muita atenção, para que ela também pudesse
cuidar dele, dentro dela.
Sem se darem conta do tempo, ele logo nasceu. Coincidência de estação ou não, nasceu numa manhã gostosa de primavera. E veio com a brisa fresca e alegre da estação, cheio de um sorriso calmo, envolvente e contagiante. Mais flores desabrocharam, os jardins se coloriram e os pássaros alegres cantaram.
Seu olhar se cruzou com o da menininha como
se já se conhecessem do sempre.
Repleto de amor o balão ficou.
O vento trouxe plenitude, todos planavam no ar.
O balão continuou seu voo e a menina tão logo se lembrou:
o vento venta sem cessar. Sim, vamos voar!
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