Escrevi esse texto há 3 anos. Antes da pandemia, antes de muita coisa acontecer.
Eu estava num evento lindo na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP.
04/12/2019 – 13h15 – FFLCH – USP
Parei para ver a chuva. Chuva intensa e rápida. Por um instante, senti vontade de tirar minha “malha” e tomar chuva. Estou precisando lavar algo em mim. A crise vem pra isso, vem pra mexer, – trazer à tona o que é necessário – fazer doer para refletir, refletir para separar o que não vale mais, o que não dá mais, o que não é, pra ficar a essência, o que se quer, o que é.
Há dois anos eu senti que precisava de mais. Bom casamento, filhos, experiência profissional, uma casa gostosa, dinheiro guardado eu já havia conquistado. O trabalho me limitava e eu queria ir além, queria gente, queria falar, queria curtir minha casa, queria ócio, queria viver sem tantos horários, queria ser eu. Fui dar aula, falei, criei, senti, vi e convivi com outras gentes, fui eu, mas foi demais. Incomodei. Sucumbi. Doeu, adoeci, mas me reergui, porém machucada. O que é ser eu?
Recoloquei-me, com menos tempo, com outras gentes, em outros locais. Muitos locais, muita gente, vai e vem de incertezas num sistema.
Sistema educacional, financeiro, capitalista, econômico: sistema.
Sinto-me presa, sem tempo, sem ser eu, dentro do sistema de novo. Dentro!
Já não sei se está certo ser eu, pensar, refletir sobre o papel social do meu falar, do meu atuar. Já não consigo estar onde eu gostaria de estar, não tenho feito o que gosto, minhas asas estão retidas, retidas no sistema de novo. Pra quê?
A gente paga pra ver porque acredita que pode fazer e ser diferente, mas a onda te carrega pro sistema de novo. Por quê?
Quanto mais penso, mais fico confusa sobre o que fazer para ser o que eu sinto.
A chuva ainda cai, mansinha. As lágrimas têm tentado lavar meus olhos, olhos que veem e fazem o coração sentir demais, querer demais, pulsar demais num peito que está pequeno, respirando menos do que gostaria, fazendo muito, mas pouco do que deseja.
Que lugar é esse que devo estar? Advento é o tempo de espera, o que esperar? Esperar e confiar. Esperar, confiar e tomar a próxima chuva.
De Alma lavada
Em junho de 2020, em meio à pandemia fui enxotada do sistema que me corroía. Hoje, ao reler esse texto e perceber que não o publiquei no Histórias que Alimentam, voltei no tempo pra entender o que eu sentia ali. A escrita foi pra colocar pra fora o que não cabia em mim. Mas também não considerava aceitável que alguém pudesse me ler daquela maneira.
Quantas vezes na vida a gente ignora nosso estado de indignação? A gente sente e fica só pra gente. A gente sente e sabe que poderia mudar, mas do sentir não vai pro agir. Ou vai? Durante a releitura eu lembrei o que eu estava sentindo, e era lindo!
Fazia dois anos que eu havia feito a transição de carreira, de nutricionista de empresa para professora universitária “capaz de mudar o mundo”. Era exatamente assim que eu me sentia. Sentia e não conseguia visualizar meu lugar nesse “sistema”. O que eu fiz com esse sentimento?

Eu precisava me moldar para sobreviver, mas fui comendo pelas beiradas. Hoje, depois de 3 anos daquele texto, eu ainda sinto que incomodo, mas tenho assumido esse risco. Acabei me adaptando para algumas situações, mas vejo que tenho conseguido ser a “Fernanda Trigo capaz de mudar o mundo”, porque ser professora é uma das minhas atividades, mas ser Fernanda Trigo é muito mais e transcende a profissão. É muito mais real, é muito mais gratificante, é muito mais difícil, mas é muito mais vivo e transformador.
Transformador pra mim.
Transformador para o mundo.
Vá longe Fê, sempre sendo você!
Incomodando e mudando o mundo. Tamos juntas 🥰